Um livro clássico é um dever?
Sobre o que perdemos quando a leitura nos é apresentada como obrigação
É curioso como certas palavras carregam um peso que define nossa relação com elas. “Clássico”, por exemplo. Uma obra clássica, no imaginário de muitos, evoca a ideia de compromisso, de dever a ser cumprido. Clássicos brasileiros, então, quase sempre chegam às mãos dos leitores não como descobertas, mas como tarefas.
Muita gente conhece essas histórias pela imposição. Ler Dom Casmurro, Iracema, Vidas Secas ou Capitães da Areia não foi uma escolha, mas uma cobrança. Algo que precisava ser vencido, decorado para que se cumprisse um objetivo específico.
E quando a literatura vem embalada como exigência, o que deveria ser experiência se torna obstáculo.
Talvez por isso tantos adultos revisitem esses livros depois de anos e se surpreendem. Descobrem ali uma história que, na época da escola, parecia distante ou difícil. Algo que antes era lido apenas para responder questões de prova agora se revela uma narrativa em que nós nos encontramos.
O texto não mudou. O leitor, sim.
Essa redescoberta acontece porque a literatura tem seu próprio tempo. Mas, muitas vezes, o primeiro contato com os clássicos acontece antes que o leitor esteja pronto para eles. Não porque as obras sejam difíceis demais, mas porque chegam em um momento em que a leitura se dá sob outro olhar ou por necessidade.
Quando lemos uma obra sem maturidade para compreendê-la, as palavras não ecoam. E, quando a leitura nasce de obrigação, nem sempre há espaço para a experiência que poderia transformar esse encontro em algo significativo para nós.
Machado e Clarice redescobertos
No ano passado, a norte-americana Courtney Novak viralizou ao compartilhar no TikTok sua leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Ela, que nunca havia tido contato com Machado de Assis, se surpreendeu com a maneira com a atualidade do livro.
No Brasil, Machado viralizou como se fosse novidade. Foi preciso que uma leitora estrangeira descobrisse Machado de Assis para que revisitássemos um dos maiores autores brasileiros de todos os tempos – agora, não como leitura obrigatória, mas como leitura de desejo.
O mesmo aconteceu recentemente com Clarice Lispector, citada por Cate Blanchett em um discurso que rapidamente reacendeu o interesse pela autora. Após a atriz chamar Clarice de “gênia absoluta”, muitos leitores passaram a buscar o trecho que ela mencionou, extraído de A Descoberta do Mundo. Mais uma vez, foi uma voz de fora que nos lembrou da força da literatura que sempre esteve aqui.
Quantos outros grandes livros aguardam essa redescoberta?
A literatura não é tarefa a ser cumprida, mas espaço a ser explorado com curiosidade e prazer. A grandeza de um clássico está na sua capacidade de permanecer, sempre pronto para ser redescoberto.
Quem sabe o que Machado, Clarice ou Graciliano têm a dizer quando ninguém mais está exigindo que você os entenda?
Mea culpa
Não me eximo da falha: até hoje, foram muitos clássicos lidos no Clube de Leitura Lousa. E dos brasileiros, passamos apenas por Clarice, com A Hora da Estrela. Chegou a hora de corrigirmos isso! O livro da vez por aqui é justamente Memórias Póstumas de Brás Cubas. Vamos nos dedicar à leitura sem a pressa das provas, sem buscar a interpretação “correta”. Vamos ler por interesse genuíno no que o livro tem a dizer — e no que podemos enxergar de novo em um livro tantas vezes resumido antes mesmo de ser lido.
O que você arriscaria por algo que nem sequer precisa? Em episódio do Pequeno Expediente, exploro a ideia de suficiência sob diferentes prismas: felicidade, dinheiro, escolhas e expectativas.
Com base em reflexões de Guy Debord, Morgan Housel, Maquiavel, Kant e Byung-Chul Han, este episódio é um convite para pensar sobre nossos parâmetros de comparação e sobre o risco de jogar tudo a perder por algo que nunca foi essencial.
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Estude com a Lousa
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