Nosso ato subversivo é pensar
Livros de colorir, bebês de mentira e a coragem do aprofundamento intelectual
Tenho refletido muito sobre como nossas tentativas de escape da realidade se manifestam em fenômenos cada vez mais curiosos. Recentemente, comentei sobre dois casos que parecem distintos, mas revelam um mesmo sintoma: os livros de colorir para adultos e os bebês reborn.
Colorir não é o problema. Ter um hobby é saudável. Mas e quando todo mundo começa a comprar as mesmas canetinhas, os mesmos cadernos, os mesmos desenhos e chama isso de autocuidado?
O nome disso é consumo afetivo.
É quando tentamos comprar o que está faltando dentro de nós: acolhimento, leveza, pertencimento. E encontramos tudo empacotado em uma papelaria fofa. É o vazio adulto fantasiado de rotina terapêutica. É a estética da infância usada como fuga.
Da mesma forma, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprova um projeto de lei que cria o “Dia da Cegonha Reborn”, homenageando as artesãs que produzem bebês ultrarrealistas, até que ponto isso é mesmo uma homenagem? Até que ponto o argumento do cuidado não está apenas servindo para legitimar um delírio coletivo?
Uma coisa é reconhecer o trabalho artístico, outra bem diferente é institucionalizar uma fantasia. Como eu disse: o afeto pode ser simbólico, mas a lei não pode ser alegórica. O papel do Estado não é acolher fantasias, é sustentar o pacto com a realidade.
A armadilha do algoritmo
Quando passamos a assistir a muitos vídeos de bebê reborn, de CPI com a Virgínia etc., dá a sensação de que o mundo está girando em torno disso. Não está. É apenas o funcionamento do algoritmo em ação, nos fazendo acreditar que todo mundo está falando sobre isso e criando um ciclo vicioso.
Quanto mais atenção damos ao que não valorizamos, mais imersos ficamos naquilo que não nos importa. Por repetição, essas coisas acabam entrando em nós. Se não formos seletivos com o que vemos, seremos moldados por aquilo que rejeitamos.
Pensar como ato de coragem
Esses fenômenos apontam para uma mesma direção: a nossa crescente dificuldade em habitar a realidade com toda sua complexidade e desconforto. Em vez de enfrentarmos o vazio e as questões profundas que ele nos coloca, buscamos paliativos, experiências pré-fabricadas de acolhimento.
É aqui que entra o que considero nosso verdadeiro ato subversivo: pensar.
Pensar profundamente, hoje, é um ato subversivo. É recusar a lógica do consumo superficial de ideias. É abrir espaço para que a mente trabalhe em suas raízes e ramificações.
Como eu tenho dito: o descanso não precisa custar caro. Reconexão não precisa estar na moda. Leveza não vem com um estojo de 320 cores.
O fortalecimento do intelecto
Quando fortalecemos nosso intelecto, expandimos não apenas horizontes pessoais: criamos as condições para intervenções mais consequentes no mundo. O pensamento refinado não é um luxo ou um adorno; é uma ferramenta fundamental para navegar os dilemas contemporâneos.
É precisamente isto que oferecemos na Lousa: um espaço dedicado ao fortalecimento intelectual que não se ostenta, mas sustenta. Um convite ao refinamento do pensamento.
E se há algo que precisamos com urgência, é isso: a coragem do pensamento.
Parabéns! Texto sucinto, mas exemplar ao suscitar questões importantes para nossos tempos, em meio a tantos alardes!